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segunda-feira, 31 de outubro de 2011

29/10/2011 - 200o. dia - Portobelo - Panmá - Parado aguardando conserto moto

Levantei quando ainda eram cinco horas da manhã. Fiz um café no meu fogão improvisado utilizando álcool e com o copo na mão deixei minha parceira dormindo e fui para a beira do mar. Sentei na ponta de uma carreta de transportar barcos e fiquei bebericando o café olhando para a água tentando enxergar algum peixe.

Atrás de mim estava o sobrado da filha do meu anfitrião cuja varanda avança até dentro do mar. Fiquei por muito tempo tentando chegar a uma conclusão de como eles conseguiram fazer aquela barreira de cimento dentro da água. Nessa observação os pensamentos melancólicos da conversa do dia anterior voltaram na minha mente e eu comecei a meditar olhando para o mar, com uma dorzinha no coração. A mesma com a qual adormeci ontem.

Não gosto de iniciar a conversa com uma pessoa perguntando: “porque você está triste?”. Essa é uma pergunta tendenciosa que leva a mente do interlocutor para um lugar triste que, as vezes, nem estava pensando. Posso ver a pessoa triste, mas não pergunto o porquê. Procuro conduzir o diálogo para um plano mais alegre com o intuito de desviar o sofrimento da mesma. Mas ontem quando iniciei a conversa com o meu novo amigo, fui logo perguntando: “porque está triste?”. Antes mesmo de terminar de perguntar já estava sentado ao seu lado e a conversa deslanchou. Logo começou a me dizer o motivo pelo qual estava triste: “tenho seis filhos e vivo como se não tivesse nenhum e nessa hora da tarde lembro-me deles”, disse-me, enchendo os olhos de água e, na medida que discorria, suas faces molharam a ponto de ter que enxugá-las. Depois consertou, dizendo que um deles, que mora nos Estados Unidos é seu amigo o que ainda o alegra com suas visitas.

Como ainda não tinha visto a sua filha que mora em frente fazendo-lhe uma visita nem conversando, desde que cheguei, perguntei sobre o relacionamento de ambos. Em resumo deu para entender mais ou menos o seguinte: ele brigou com a filha porque ela exigiu a posse de parte do terreno dele para construir o sobrado; ele dividiu um terreno que tinha do outro lado da baía, dando um lote para cada um dos filhos e eles venderam logo em seguida, fato que o magoou muito e, também não me ficou muito claro, mas parece que queriam que o velho lhes passassem o direito da casa onde mora, para que sua companheira não seja herdeira quando ele morrer.

Com essas lembranças em mente comecei a filosofar sobre a relação paterna e a melancolia bateu mais forte. Como pode uma pai criar seis filhos e aos 86 anos não contar coma amizade dos mesmos? Esse cara falhou completamente na criação dos filhos? O que leva fatores financeiros a interromper uma amizade paterna? A primeira vista, pelo meu entendimento, o pai é o errado. Se tem terreno sobrando porque não dar para a filha? Se doou os terrenos para que impedir a venda?

Mas a questão filosófica transcende à avaliação de certo e errado. Independentemente de quem está errado todos devem estar sofrendo um pouco. Assim como ele chora pela falta dos filhos, alguns deles devem sofrer em determinados momentos da vida.

Pela idade do pai, todos os filhos devem ter mais de 50 anos. Pelo menos a filha deve ter uns 60 anos. São pessoas que podem morrer a qualquer momento sem perdoar o próprio pai ou o próprio filho. É muito triste.

Vejo pais com filhos no braço e fico me perguntando: “porque esse carinho não dura o resto da vida?”. Enquanto criancinha ambas as partes são carinhosas, mas com o passar do tempo a desculpa do pai de ser mais rigoroso para educar e inserção do jovem no meio social vão corroendo essa relação tão bonita.

Meu pai gostava de ouvir uma música sertaneja intitulada “Filho Adotivo”, tendo em vista que ele foi um. Por incrível que pareça, enquanto meu pai era vivo, foi melhor filho que os os três legítimos. A história do meu anfitrião não envolve filho adotivo, mas mesmo assim, me remeteu a meu tempo de criança e resolvi transcrever a letra da música aqui:

Com sacrifício; Eu criei meus sete filhos; Do meu sangue eram seis; E um peguei com quase um mês; Fui viajante; Fui roceiro, fui andante; E prá alimentar meus filhos; Não comi prá mais de vez...Sete crianças; Sete bocas inocentes; Muito pobres, mas contentes; Não deixei nada faltar
Foram crescendo; Foi ficando mais difícil; Trabalhei de sol a sol; Mas eles tinham que estudar... Meu sofrimento; Ah! meu Deus, valeu a pena; Quantas lágrimas chorei; Mas tudo foi com muito amor; Sete diplomas; Sendo seis muito importantes; Que as custas de uma enxada; Conseguiram ser doutor...; Hoje estou velho; Meus cabelos branqueados; O meu corpo está surrado; Minhas mãos nem mexem mais; Uso bengala; Sei que dou muito trabalho; Sei que às vezes atrapalho; Meus filhos até demais...; Passou o tempo; E eu fiquei muito doente; Hoje vivo num asilo; E só um filho vem me ver; Esse meu filho; Coitadinho, muito honesto; Vive apenas do trabalho; Que arranjou para viver...; Mas Deus é grande; Vai ouvir as minhas preces; Esse meu filho querido; Vai vencer, eu sei que vai; Faz muito tempo; Que não vejo os outros filhos; Sei que eles estão bem; Não precisam mais do pai...; Um belo dia; Me sentindo abandonado; Ouvi uma voz bem do meu lado; Pai eu vim práadotivo; Que a este velho amparou... http://letras.terra.com.br/sergio-reis/103196/#selecoes/103204/. Composição: ARTHUR MOREIRA/SEBASTIÃO FERREIRA DA SILVA.


Olhando para aquele mar inquieto as lágrimas verteram-se a ponto de tê-las que enxugar. Naquele momento não consegui recordar de nenhum exemplo de relação pai e filho que atendesse os padrões de amizade que eu estava buscando. Agora, quando escrevo, lembrei de um pai com três filhos, todos trabalhadores braçais, que prestaram serviço na chácara que eu tinha. Esses sim eram amigos. O filhos chamavam o pai de veado e o pai replicava. O filhos pegavam na nádega do pai e passavam o dia rindo um dos outros. Esse foi o único exemplo que me veio na cabeça. Mas aí outra questão veio à minha mente: “eles eram absolutamente desprovidos de recursos financeiros. Será que teriam a mesma amizade se fossem ricos?”. Na medida que a escrita foi desenvolvendo, outros exemplos de relações paternas conteporâneos floresceram as minhas lembranças. Tenho pelo menos dois amigos que mantém uma relação bem bonita com os filhos.

Essas questões paternas me têm sensibilizado muito devido a minha própria vida. Sou como o meu anfitrião: sempre acho que meus filhos estão errados. O divórcio detonou a relação que tinha com meus filhos, sobretudo com os dois mais velhos. Assim como aqui, os dois não conversam comigo. Ou será eu que não converso com eles? Não sei! Meu filho mais velho condicionou sua amizade em troca da cessão de um bem para sua mãe, que ele julga justo na partilha do divórcio. Por esse valor ele voltaria ser meu amigo, segundo afirmação dele próprio através de mensagem eletrônica. Quanto a mim, penso que numa negociação, para saber se é justa, temos que fazer a seguinte pergunta: “Eu aceitaria minha proposta se estivesse do outro lado?”. No caso do divórcio fiz essa pergunta e a resposta foi positiva: eu aceitaria a parte que ofereci e daria em troca a parte que escolhi.

Tenho a meu favor, como consolo mental, que, pelo menos, eu fiz minha obrigação de aproximar. Mesmo sem a vontade dele eu o visitei. Acampei na praça em frente sua casa e tive que ser aceito. Ele me tratou bem durante os cinco dias em que fiquei em seu convívio, mas logo que saí recebi novas mensagens reiterando sua reivindicação. Então agora, só me resta esperar. Há um dito popular afirmando que o tempo cura qualquer ferida. Mas esse adágio não é verdadeiro, tendo em vista que algumas chagas pioram com o passar do tempo.

O filho do meio não estabeleceu condições alguma. Simplesmente não gostou das minhas ações e eu não gostei das acusações dele, de forma que pusemos fim a um grande companheirismo na torcida do nosso time de coração. Nos dias de jogos do Flamengo trocávamos até 20 torpedos na hora do jogos. Agora quando vejo os resultados pela internet, me recordo daqueles momentos felizes. Sem contar os jogos assistidos no Estádio do Maracanã, onde eu recebi dezenas de beijos durante a partida. Tenho certeza que ele lembra também.

Assim como meu progenitor gostava de ouvir uma música para reforçar suas relações com seu pai adotivo eu também gostava de escutar outra, não pela sua beleza, mas para fazer uma reflexão da minha relação com meu pai. Também, porque na época eu tinha uma crença que eu pagaria a meus filhos tudo que fizesse de ruim para meu pai. A música se chama “Couro de Boi”, cuja letra, também transcrevo abaixo:

“Conheço um velho ditado, que é do tempo dos agáis. Diz que um pai trata dez filhos, dez filhos não trata um pai. Sentindo o peso dos anos sem poder mais trabalhar, o velho, peão estradeiro, com seu filho foi morar. O rapaz era casado e a mulher deu de implicar. "Você manda o velho embora, se não quiser que eu vá". E o rapaz, de coração duro, com o velhinho foi falar: Para o senhor se mudar, meu pai eu vim lhe pedir; Hoje aqui da minha casa o senhor tem que sair; Leve este couro de boi que eu acabei de curtir; Pra lhe servir de coberta aonde o senhor dormir; O pobre velho, calado, pegou o couro e saiu; Seu neto de oito anos que aquela cena assistiu; Correu atrás do avô, seu paletó sacudiu; Metade daquele couro, chorando ele pediu; O velhinho, comovido, pra não ver o neto chorando; Partiu o couro no meio e pro netinho foi dando; O menino chegou em casa, seu pai foi lhe perguntando. Pra quê você quer este couro que seu avô ia levando; Disse o menino ao pai: um dia vou me casar; O senhor vai ficar velho e comigo vem morar; Pode ser que aconteça de nós não se combinar; Essa metade do couro vou dar pro senhor levar”. http://letras.terra.com.br/sergio-reis/103196/. Composição: TedyVieira / Palmeira.

Certamente não fui um bom filho e hoje estou pagando pelo que fiz. Mas hoje eu não tenho essa crença mais. Sei que estou recebendo o que mereço. Nas relações humanas a gente “colhe o que planta” e com certeza não plantei a amizade de forma correta com meus filhos. Contrariando a mãe, mandei-os muito cedo para estudar fora e, enquanto lá, eu não era de conversar com eles; escutar-lhes sobre suas inseguranças e incertezas. Meu negócio sempre foi cobrar; cobrar e cobrar.

Acho que a Edivânia está certa. Ela não deseja filhos; nunca desejou. Quando a conheci achei que era “golpe”. Pensei: “essa mulher está tentando me atrair. Como alguém não quer ter filho? “. Mas com o passar do tempo cheguei a conclusão que a afirmação era verdadeira. Até tentei convencê-la ao contrário, dizendo que a procriação é uma Lei Universal e que, como toda Lei, contravertê-la, traria sofrimento. Mas ela permanece irredutível; seguindo a mesma lógica deste texto, ou seja, a proporção de pais felizesos com os filhos  adultos é muito pequena.

Ainda pensava nela quando chega trazendo meu lanche. Preparou o leite no quarto e foi me entregar lá na beira do mar e, como se adivinhasse meus pensamentos, passou-me a comida fazendo uma declaração de amor. O sorriso brotou no meu rosto novamente ao pensar que pelo menos aquela pessoa poderia tornar-se a Edna da minha vida e abracei-a. É claro que terei que ser mais eficiente na condução da nossa amizade do que fui na criação dos meus filhos.

Depois fomos à cidade caminhando para fazer exercício e comprar uns pães. Quando voltávamos vimos o barco, no qual íamos atravessar o caribe, partindo e já singrava as águas calmas da baía de Porto Belo. Ando muito sensível, porque novamente senti uma pequena sensação de perda. Mais tarde acompanhamos nosso anfitrião num passeio de carro pela redondeza da cidade.

O restante do dia foi chuvoso e eu aproveitei para fazer essas anotações. Quero ver se amanhã amanheço mais alegre. Sou de opinião que a felicidade e a tristeza são objetos físicos (não abstratos) que ficam alojados na nossa mente, cabe-nos saber escolher a melhor opção para cada momento. Hoje eu escolhi a tristeza porque estava afim de meditar sobre minhas relações paterna. Mas amanhã, com certeza, a felicidade será a gestora das minhas ações.

A noite voltei ao mesmo local, na beira do mar e escrevi no meu facebook: “A vida tem que ser igual às ondas do mar ao qual estou em frente neste momento: nunca parar. As luzes da orla, refletindo nele, torna-o mais lindo, como o amor e a amizade ilumina a vida.”. Acho que essa frase é minha.

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